Por Pedro Santiago, G1| PI

Dentre tantos personagens envolvidos e atingidos pela tragédia do rompimento da barragem de Algodões, dois chamam a atenção. Wellington Dias, governador do Piauí na época do ocorrido e também quando o acordo de indenização foi firmado, e Corcino Medeiros, professor aposentado da Universidade de Brasília (UNB), que acompanhou e instruiu as vítimas durante o longo e conturbado processo judicial que terminou com o pagamento de R$ 60 milhões para 922 famílias.



Imagem mostra a Barragem Algodões dias antes de romper, no Piauí (Foto: Magno Bonfin/TV Clube)
Oito anos depois da tragédia, a ação penal que tem o governador Wellington e Lucile Moura, que era presidente da Empresa da Gestão de Recursos do Piauí (Emgerpi), como réus segue sem sentença. Ambos são acusados de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. As defesas dos dois alegam inocência. O processo segue no Superior Tribunal de Justiça por conta do foro privilegiado do gestor estadual.



José Wellington Barroso Dias estava em seu segundo mandato como governador do Piauí, quando, no dia 27 de maio de 2009, a barragem estourou despejando 50 milhões de metros cúbicos de água e provocando um desastre ambiental e humano, que deixou nove mortos e dezenas de quilômetros de terra cobertas por lama. Fazendas inteiras com animais, casas, currais, cercas sumiram após a passagem de uma onda que chegou a 20 metros de altura. Eleito governador pela terceira vez em 2015, foi Wellington quem assinou o acordo de indenização das vítimas, já em abril de 2017.

Governador do Piauí, Wellington Dias (Foto: Gilcilene Araújo / G1 Piauí)








Também foi acusado de homicídio culposo o engenheiro Luiz Hernani de Carvalho, mas o STJ entendeu que a acusação prescreveu, sendo seu nome retirado do processo como réu.

Em 2009, meses antes do rompimento, a barragem de Algodões já chamava a atenção por apresentar falhas em sua estrutura. Em 13 de maio daquele ano, segundo o Ministério Público do Piauí, a então presidente da Emgerpi, Lucile Moura, procurou o MP solicitando providências para retirar as pessoas das áreas de risco, já que os moradores se negavam a deixar suas casas.

“A poucos instantes, tomou conhecimento de que a barragem Algodões (..) vai romper em cerca de 20 horas, pois sua parede de contenção principal está cedendo em razão do volume de águas armazenadas”, narra o MP, na peça de denúncia, as declarações de Lucile Moura sobre a questão 14 dias antes da tragédia.

Após isso, o MP conseguiu na Justiça a imediata retirada dos moradores de áreas de risco. A decisão provisória foi dada no mesmo dia 13 de maio. Entretanto, diz o MP, Lucile e Wellington decidiram, no dia 21 de maio, determinar o retorno das milhares de pessoas, com base em um laudo do engenheiro Luiz Hernani de Carvalho, que disse inexistir possibilidade de rompimento da barragem. A acusação defende que os réus descumpriram uma decisão judicial, agiram de forma imprudente e provocaram a morte de nove pessoas.
Corcino, de camisa marrom, sendo resgatado junto com sua família, em Cocal (Foto:Divulgação/Avaba)
Por meio de nota, o governador Wellington Dias afirmou que não autorizou o retorno das famílias para as áreas afetadas pelo rompimento da barragem de Algodões. “Na época, a decisão foi tomada por uma comissão formada pelo Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e engenheiros que trabalhavam na barragem. Essa comissão autorizou o retorno apenas das pessoas que não moravam nas margens da barragem, do rio Piranji ou em áreas consideradas de risco”, diz trecho da nota.

O governo diz também que existe uma ata da reunião anexada ao processo, onde comprova todas as decisões tomadas na época. “Vale ressaltar que nenhuma das famílias que tiveram seu retorno autorizado foram afetadas pelo rompimento. As regiões afetadas pelo rompimento da barragem estavam interditadas e nenhuma família estava autorizada a permanecer nelas”, finaliza a reposta afirmando que o governado confia que toda a situação será esclarecida.

Restos da barragem de Algodões, em Cocal. Por essa fenda, no lado esquerdo da imagem, passaram mais de 50 milhões de metros cúbicos (Foto: Pedro Santiago/G1)
O G1 procurou Lucile Moura, mas ela não foi encontrada para comentar o caso. Em defesa apresentada ao MP, o advogado da ex-gestora da Emgerpi afirmou que ela não cometeu crime algum e que partiu dela a inicitiva de desocupar as áreas de risco em Cocal, dias antes do rompimento.

Em decisão do dia 12 de maio deste ano, o STJ intimou nove testemunhas de defesa e acusação para que sejam escutadas na sede do Tribunal de Justiça do PIauí e nos fóruns de Cocal e Buriti dos Lopes nos dias 18, 19 e 20 de julho. O processo segue para o fim da instrução processual, em que depois de colhidos todos os testemunhos e apresentadas as provas, o juiz vai dar sua sentença.

Avaba

Corcino Medeiros é um mineiro, pós-doutor em história, autor de vários livros, que se mudou para Cocal, terra natal da esposa, para gozar a aposentadoria cultivando frutas e criando animais no vale do Rio Piranji. Ele, a mulher e a filha de três anos fugiam de moto da água liberada pela barragem, quando foram arrastados pela onda gigante. Salvaram-se ao conseguir se agarrar na copa de um cajueiro. Após a tragédia, Corcino criou uma associação e liderou as vítimas em protestos, audiências públicas, na demanda judicial, levando o caso até a comissão dos direitos humanos do Senado Federal.

 Corcino Medeiros, presidente da Avaba, em Cocal (Foto: Pedro Santiago/G1)
Corcino se mudou para Cocal em 2003. No vale do Rio Piranji comprou um terreno com pouco mais de 90 hectares, onde construiu uma casa e plantou dois mil pés de banana, 160 pés de laranja, além de mamão e ata. Lá também tinha uma criação de 380 cabeças de caprinos e ovinos. As plantações eram irrigadas com água do rio, que estava perenizado pela barragem Algodões. De tudo acima relatado, apenas oito animais sobreviveram. Foi tudo arrastado, destruído e morto.

Para o ex-professor, a salvação de sua mulher e filha foi um milagre. Após a água baixar, muitas famílias voltarem para o vale, outras tantas ficarem em escolas em Cocal, Corcino disse que sentiu que os esforços governamentais de amparo diminuíram.

“Em pouco tempo, eu vi a situação ficar em um abandono. A maioria do povo do interior é analfabeto e governo contava com isso para deixar o caso no esquecimento. Quando vi minha mulher e a menina (a filha) agarradas numa árvore, eu pedi a Deus que me levasse no lugar delas. Pedi para me deixar viver apenas se eu tivesse alguma coisa para fazer, e ajudar o povo a ter voz foi a primeira coisa que apareceu”, relembrou Corcino.

Sede da fazenda de Corcino Medeiros, que foi reconstruída após ser derrubada pela força da água de Algodões, em Cocal (Foto: Pedro Santiago/G1)
Em pouco tempo o mineiro fundou a Associação das Vítimas e Amigos da Barragem Algodões (Avaba), que teve pouca adesão no início e recebeu desconfiança geral das vítimas. “As pessoas não confiavam, achavam que a associação era coisa de ladrão”.

A Avaba incentivou as vítimas a ingressar com ações individuais contra o estado, pedindo reparo pelos prejuízos materiais e humanos sofridos. Foi quando começou uma longa briga judicial que demorou quase oito anos. No fim, todas as demandas foram juntadas em uma única ação, que teve desfecho final no dia 5 de abril, quando foi assinado o acordo de indenização no valor de R$ 60 milhões.


Quase mil famílias já estão recebendo suas indenizações, que tem valores de acordo com as perdas demandadas. Dinheiro foi dividido em 30 parcelas. O menor valor acordado foi de R$ 7 mil e o maior chegou a R$ 300 mil.

“Nunca fomos atrás de culpados, mesmo sabendo que eles têm culpa. Só queremos ser ressarcidos pelos prejuízos que nós sofremos. Essa era a principal necessidade, para que as pessoas recebessem algo ainda em vida, já que muitos morreram nesses sete anos de espera. Uma coisa inacreditável e incompreensível é que o governador Wellington Dias nunca nos recebeu, nunca olhou na cara da gente, nem na época e nem agora. O Wilson Martins e Zé Filho (ex-governadores que sucederam Dias) nos receberam, mas ele não. Ele foge”, finalizou Corcino.

Sobre a declaração acima, a assessoria de imprensa do governador afirmou que ele já recebeu a Avaba no Palácio de Karnak, sede do poder estadual, e que o próprio Wellington Dias propôs o acordo de indenização.